Meus queridos amigos de Caçapava,
pensava que ia comemorar com vocês minha
primeira semana de sexagenária, e não consegui, como boa idosa debutante, estou
aqui toda dura, com uma crise de coluna.
Brincadeiras à parte, gostaria mesmo era de estar aí com
vocês, nesta festa do livro. Uma das perguntas que mais tenho respondido nos últimos
tempos tem sido se o livro vai acabar. Não. Não vai, enquanto tivermos quem
tome a frente na organização de uma Feira por acreditar na importância dos
livros e das pessoas, ele não vai acabar. O homem levou séculos para chegar à
escrita, ao alfabeto, ao papel, ao livro. Cada livro, por mais singelo que
seja, é patrimonio de uma civilização inteira!
Neste momento em que vivemos, de depressa produzir para mais
depressa consumir, pode ser que exista quem pense que o livro sequer justifique
o mundo. Ele é inútil, porque útil é o dinheiro.
Mas não nos enganemos. Sempre que vendemos ou trocamos
alguma coisa nós a perdemos. Aprendi isso com o filósofo Nuccio Ordine. Se eu
tenho o relógio e troco por uma outra coisa, eu o perco. Se eu o vendo, eu o
perco. A única coisa que não se perde quando se dá é a cultura, é o
conhecimento. Já dizia Durrel, no quarteto de Alexandria, que só
no silêncio ativo do artista é que a realidade pode ser apreendida naquilo o
que ela tem de verdadeiramente significativo.
Eu os convido, então, para que façamos, um
exercício de imaginação: estamos numa caverna escura e temos conosco uma
pequena caixa de fósforos. Vamos acender um de cada vez, ele vai iluminar um ou
dois passos e precisaremos acender outro e outro. O texto literário não é mais
do que um pau de fósforo numa caverna e a escolha é nossa: ou iluminamos o
próximo passo ou vamos nos batendo no escuro. É o pequeno facho de luz que
produz o conhecimento e o autoconhecimento, é o que nos leva a perguntar, a
responder, a imaginar, a sentir o prazer e viajar pela paixão, até porque as
palavras ultrapassam as máquinas, elas são pontes, mesmo
quando dizem o contrário do que querem dizer, porque revelam mesmo quando
escondem, porque são o meio de nos unirmos ao mundo e aos nossos semelhantes.
Estendamos, então, a caixa de fósforos
para as nossas crianças e jovens, somos nós, todos, família e
professores, responsáveis pela formação do leitor. Em relação a eles, é
obrigação, não é escolha. Eles ainda podem ser pessoas melhores e mais
felizes do que nós. É para isso que a literatura existe, é para isso que os
livros existem, é para isso que as feiras existem.
Um beijo a todos e parabéns por mais esta edição da Feira do
Livro de Caçapava.
Jane Tutikian
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